sábado, 20 de outubro de 2018

Querida Mãezinha, a radical.

Mas não fui eu a única a mudar de geografia; Querida Mãezinha mudou também!

Como já vos tinha dito anteriormente (há mil anos atrás, num outro post que não faço a mínima onde está) Querida Mãezinha vivia na zona velha da cidade, bem no epicentro da vergonha de despejos a que se assiste de há uns anos para cá, e também ela não escapou à ganância e desonestidade dos proprietários do imóvel onde viveram 3 gerações da minha família, mas esta estória ficará para outro post se a isso me ajudar o engenho e a arte (ná, se a pachorra me ajudar porque a estória é longa e tenebrosa).

Bom, dizia eu Querida Mãezinha mudou de casa também e tendo ela já a proveta idade de 83 anos temi que tudo isto a abalasse muito e se me fosse abaixo das canetas (que já de si são fraquitas como sabem  ).

Mudar de localidade tendo vivido ali toda a sua vida, sair da casa onde viveu mais de 50 anos, ter que escolher o que levar e o que deixar - havia ali móveis que já os meus avós tinham herdado e outros feitos de propósito para aquela casa que não caberiam facilmente noutra - deixar as vizinhas que sempre conheceu, as lojas onde sempre comprou...
Não se me avizinhava tarefa fácil e temi pela saúde de Querida Mãezinha; desta vez não só a física mas sobretudo a mental.

Tentando que ela não ficasse muito triste por ter que deixar algumas das suas coisas para trás EXAGERADAMENTE (e sem pensar) sugeri "Olha, deitamos tudo fora e fazemos tudo de novo! Viveste toda a vida com estas mobilias e agora podes tu escolher o que quiseres e fazer a tua casinha como sempre a imaginaste! Que tal?"

Sorriu com aquele olhar terno de quem percebe que só lhe estamos a dizer aquilo para a animar.

Mas eu devia ter imaginado!
Eu deveria conhecê-la melhor!

Quando no dia seguinte cheguei ouvi ainda na escada um barulho como este ...mas o cenário estava já armado quando lhe entrei em casa.

No corredor jaziam os restos mortais de mesas de cabeceira várias, uma cristaleira (opah! daquelas bem antigas, com portas trabalhadas, tampo de mármore, espelho e vidro martelado!), sacos no chão com louças das mais diversas e estava em curso a destruição de uma mesinha de jogo...

Imaginam a minha cara? Imaginam?!
Fiquei especada à entrada sem conseguir sequer articular uma palavra.

Olhou-me com ar cândido e perguntou-me:
- Não disseste que era para fazer tudo de novo?
  Então, vai tudo p´ro lixo!

E foi.
Querida Mãezinha é muito literal (e radical também ).


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