Raramente uso maquilhagem e de toda a maquilhagem o batom é aquilo que, mesmo nas raras ocasiões em que me maquilho, nunca ponho; embirro com aquilo nos lábios e embirro com os cabelos que, por serem compridos e normalmente estarem soltos, com o vento teimam em esvoaçar, e colar-se-lhes.
Hoje pintei os lábios, e pintei-os para homenagear e não esquecer a data que hoje se assinala, a libertação do campo de concentração de Auschwitz.
E…porquê o batom? Que forma tão estranha de assinalar uma data!
Pintei os lábios porque me lembrei de uma história que eu não sabia, e o meu filho me deu a conhecer há uns tempos atrás, e que aconteceu em Bergen-Belsen (libertado só a 15 de Abril de 1945).
“Sou incapaz de uma descrição apropriada do circo de horrores em que meus homens e eu haveríamos de passar o mês seguinte da nossa vida. O lugar é um deserto inóspito, desprotegido como um galinheiro.
Há cadáveres espalhados por todo lado, alguns em pilhas enormes. Levei algum tempo para me acostumar a ver homens, mulheres e crianças tombarem ao passar por eles. Sabia-se que 500 deles morreriam por dia antes que alguma coisa que estivesse ao nosso alcance fazer causasse algum impacto.
Não era fácil ver uma criança morrer sufocada pela difteria quando se sabia que uma traqueostomia e alguns cuidados a teriam salvado. Viam-se mulheres afogadas no próprio vômito porque estavam fracas demais para se virar de lado. Homens comendo vermes agarrados a meio pedaço de pão pelo simples fato de que precisavam comer vermes se quisessem sobreviver. E porque depois de algum tempo, eram incapazes de distinguir uma coisa da outra. (…)
Pouco depois da chegada da Cruz Vermelha britânica, chegou também um grande carregamento de batom.
Não era em absoluto o que queríamos, clamávamos por centenas de milhares de outras coisas.
Não sei quem pediu batom, mas gostaria muito de descobrir quem fez isso.
Foi um golpe de gênio, de habilidade pura e natural.
Creio que nada contribuiu mais para aqueles prisioneiros de guerra que o batom.
A mulheres se deitaram nas camas sem lençóis e sem camisolas, mas com os lábios escarlates.
Podia-se vê-las perambulando por todo lado sem nada, a não ser um cobertor em cima dos ombros, mas com os lábios bem vermelhos.
Vi uma mulher morta em cima da mesa de autópsia, cujos dedos ainda agarravam um pedaço de batom.
Enfim alguém fizera algo para torná-las humanas de novo.
Eram gente, não mais um simples número tatuado no braço.
O batom começou a lhes devolver a humanidade, porque, às vezes, a diferença entre o céu e o inferno pode ser um pouco de batom.”
Extraído do livro DEUS E SEXO, de Rob Bell, Editora Vida, 2010
Colaboração de Wilma Santiago
Não fazia ideia... sempre a aprender!
ResponderEliminarNunca esquecer.
ResponderEliminarTambém ando de batom vermelho...
ResponderEliminarestória do caraças, comovente...
ResponderEliminarNão conhecia. Fiquei muito comovida e gostei muito que partilha-se connosco.
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