Fernão

Houve em tempos, era o miúdo ainda pequeno, uma gaivota que nos adoptou.
Todas as manhãs ela nos esperava para o pequeno-almoço; aparecia na janela assim que se acendia a luz da cozinha e esperava pacientemente que lhe lançassemos algum pão, bolachas ou fruta.
Se acaso nos percebia distraidos e mais atarefados do que o costume, o que acontecia sempre que acordávamos atrasados, não deixava por mãos alheias o recado, e bicava o vidro da janela chamando-nos a atenção.
E assim foi todo o Inverno.
Por graça chamámos-lhe Fernão e tu, doido por bicharada, assim que chegavas a nossa casa, ainda que viesses de tarde ou de noite, imediatamente te punhas à janela a ver se a vias.
Depois veio a Primavera e ela deixou de vir… até ao Inverno seguinte quando voltou a aparecer; e no outro e ainda no outro a seguir.
Não sei quanto tempo vive uma gaivota e por isso não sei se era sempre a mesma mas parecia mesmo que sim.
Ao cumprimento pela manhã e às bicadas na janela juntou mais uma gracinha; grasnava e abria as asas assim que nos via, enquanto saltitava de uma patita para a outra parecendo dançar de alegria.
Um dia deixou de aparecer.
A Primavera e o Verão chegaram e passaram, o Outono também e já no pino do Inverno resmungavas: "Velho como sou, quem me vir na rua a chamar "Fernão, Fernão" a todas as gaivotas que encontro vai achar que endoideci! Eu chamo baixinho a ver se é ela, mas ainda assim, as pessoas ollham!"
Nunca mais a vimos mas no outro dia, quando esta me sobrevoava sem mais se afastar, fotografei-a porque me lembrei da Fernão e de ti meu pai;  pensei se por acaso a terias encontrado e se estaria aí contigo.