Há uns anos atrás, eu trabalhava numa produtora de televisão que tinha uma rubrica especial para ajudar crianças necessitadas; ora de entre muitas tarefas que tinha para fazer, uma das que me tinham calhado em sorte era a abertura e primeira triagem do correio endereçado a esta rubrica.
Aquilo era um momento trágico para mim, e penso que quase cómico para quem me via; a cada carta aberta era uma choradeira que não se podia e o director lá me ia dando lenços de papel e palmadinhas nas costas enquanto me dizia "Minha filha, qualquer dia você enrija e já não chora".
Eu bem pedia para entregarem aquela tarefa a outra pessoa mas o director achava que não, que devia ser eu a fazê-lo.
Das minhas mãos, se tivesse fundamento e pertinência, aquele correio seguia para a equipa que tinhamos na rua e que batia todo o país a averiguar da veracidade dos pedidos.
Mais tarde a criança viria ao programa para receber o que tinha pedido (muitas vezes eram professores ou cuidadores que identificavam as situações de carência e nos endereçavam o pedido, (estamos a falar de crianças a viver em currais, crianças sem comida, crianças em situações muito, muito dramáticas), oferecido pela produção do programa, supermercados que colaboravam connosco, juntas de freguesia, lojas de mobiliário, etc.
Claro está, que eu adiava esta tarefa tanto quanto podia e fazia apenas uma triagem semanal; assim que as cartas iam chegando enfiava-as num cestinho e ali ficavam até ao dia em que me enchia de coragem para as ler.
Estávamos a 22 de Dezembro, os programas estavam gravados, os directores tinham voado para o outro lado do Atlântico e nas instalações só restavam eu, a Zabete e a Carminho.
Tinhamos prolongado a hora de almoço e feito o nosso almoço de Natal e quando a meio da tarde, subimos ao escritório era apenas para pegarmos nas nossas coisas e zarpar (fechávamos até ao principio de Janeiro) rumo às nossas vidas.
Agarrei no casaco e na mala e preparava-me para agarrar nas chaves e no telemovel que estavam em cima da secretária, quando a ponta de um envelope se mostrou por debaixo da base da minha secretária.
Puxei-o e senti-me zonza; estava endereçada à rubrica!
Uma carta esquecida; uma criança tinha ficado para trás!
Abri a carta e comecei a ler; não me lembro das exactas palavras mas eram de um pai que dizia que por causa dele, MAIS UMA VEZ, a sua filha não teria Natal.
E explicava a situação; dizia que estava preso e que a filha só não passava fome e frio porque tinha uma mãe valente; que já não a via há muito tempo porque a prisão era longe e elas não tinham dinheiro para os transportes; que nos tinha podido escrever porque um guarda lhe deu o dinheiro para o selo, e continuava pedindo apenas que, se nos fosse possível, enviassemos uma lembrança pequenina à sua filha, para que também para ela fosse Natal.
Depois do choque inicial (aquela menina não ia ter Natal não por causa do pai dela, mas de mim que não tinha visto a carta), corri para as minhas colegas a contar-lhes o que tinha acontecido.
E agora, perguntavam, não está cá ninguém para decidir…não está cá ninguém para pagar o que for para comprar…
Perguntei-lhes porque não fazíamos uma vaquinha nós? Claro que sim, responderam-me.
Animada com aquele primeiro dinheiro, meti-me no elevador e desci ao centro (estávamos por cima do Amoreiras) e falei com duas amigas donas de uma loja; contribuiram também e disseram-me que iam falar com outras.
Num instantinho já tinha muito dinheiro junto (muito mesmo) e a cabecinha começou a fervilhar de ideias; e se? e se?
Subi outra vez à torre e contei o meu plano às minhas gajas; telefonar para um restaurante e uma pastelaria da zona (era atrás de Serpins da Serra, seis passos atrás do sol posto) e encomendar uma ceia e um almoço de Natal que pagaríamos por transferência ou vale postal, e com o resto do dinheiro compraríamos presentes para enviar por correio.
Pusemo-nos à procura de restaurantes na zona; só havia dois (eram restaurante e pastelaria). Agarrámo-nos ao telefone. Trim, trim..trim, trim…ninguém atendia…trim..trim, trim...em nenhum…mas nós não desistíamos.
Trim, trim…trim, trim…e já desesperávamos quando ao fim de mais de uma hora nos atenderam!
Expliquei o que queriamos fazer, e a senhora perguntou-nos porquê; insisti, porque sim!
Mas porquê, insistiu ela também, é que nunca tivemos um pedido desses…de onde é que está a telefonar? Quem é que está ao telefone?
Disse que era de Lisboa, de uma empresa, que pagávamos mesmo, só tinha de nos dar o nib ou a morada para onde queria que enviássemos o vale postal.
Que não era isso, era só que achava estranho e parecia-lhe que ouvia aflição na minha voz…
Pedindo-lhe segredo, lá lhe acabei por explicar o que se passava e quando acabei só ouvi o silêncio;
- Estou, estou?
- Sim, estou aqui - respondeu-me uma voz magoada e entrecortada por soluços - eu sei onde fica essa casinha, é afastado daqui e conheço a menina, é verdade é, o que me está a contar; não se preocupe, não quero dinheiro nenhum e eu mesma lá irei fazer as entregas que me pede; elas este ano vão ter Natal.
Perdemos a cabeça de alegria!
Comprámos uma Barbie, a mais linda de todas as Barbies (eu odeio Barbies), com um vestido de princesa, tiara e estrelas nos cabelos, livros de ler e de colorir, mais umas quantas coisas de que já não me lembro, embrulhámos tudo bonito e lá fui aos correios enviar a encomenda; por cima um envelope (com um postal de Natal) onde escrevi apenas "do TEU PAI Natal".
Nesse dia cheguei atrasada ao colégio para ir buscar o meu filho, pedi desculpa e disse-lhe que me tinha atrasado com um pedido de ajuda que o Pai Natal me tinha feito (ele perguntou porquê e eu disse-lhe que eram muitos meninos e o velhote já não dava conta de tudo sozinho; tinha-se esquecido de um e já não tinha tempo para tratar dele sozinho).
Zangada que estava comigo própria por não ter visto a carta, só à noite ao deitar (quando revejo o meu dia) me dei conta que talvez tivesse tido mesmo que ser assim, talvez fizesse mesmo parte de um plano secreto do Pai Natal para ser mais especial (e esta criança nunca teve de ser exposta na televisão).
Não me digam que o Pai Natal não existe!
Aquilo era um momento trágico para mim, e penso que quase cómico para quem me via; a cada carta aberta era uma choradeira que não se podia e o director lá me ia dando lenços de papel e palmadinhas nas costas enquanto me dizia "Minha filha, qualquer dia você enrija e já não chora".
Eu bem pedia para entregarem aquela tarefa a outra pessoa mas o director achava que não, que devia ser eu a fazê-lo.
Das minhas mãos, se tivesse fundamento e pertinência, aquele correio seguia para a equipa que tinhamos na rua e que batia todo o país a averiguar da veracidade dos pedidos.
Mais tarde a criança viria ao programa para receber o que tinha pedido (muitas vezes eram professores ou cuidadores que identificavam as situações de carência e nos endereçavam o pedido, (estamos a falar de crianças a viver em currais, crianças sem comida, crianças em situações muito, muito dramáticas), oferecido pela produção do programa, supermercados que colaboravam connosco, juntas de freguesia, lojas de mobiliário, etc.
Claro está, que eu adiava esta tarefa tanto quanto podia e fazia apenas uma triagem semanal; assim que as cartas iam chegando enfiava-as num cestinho e ali ficavam até ao dia em que me enchia de coragem para as ler.
Estávamos a 22 de Dezembro, os programas estavam gravados, os directores tinham voado para o outro lado do Atlântico e nas instalações só restavam eu, a Zabete e a Carminho.
Tinhamos prolongado a hora de almoço e feito o nosso almoço de Natal e quando a meio da tarde, subimos ao escritório era apenas para pegarmos nas nossas coisas e zarpar (fechávamos até ao principio de Janeiro) rumo às nossas vidas.
Agarrei no casaco e na mala e preparava-me para agarrar nas chaves e no telemovel que estavam em cima da secretária, quando a ponta de um envelope se mostrou por debaixo da base da minha secretária.
Puxei-o e senti-me zonza; estava endereçada à rubrica!
Uma carta esquecida; uma criança tinha ficado para trás!
Abri a carta e comecei a ler; não me lembro das exactas palavras mas eram de um pai que dizia que por causa dele, MAIS UMA VEZ, a sua filha não teria Natal.
E explicava a situação; dizia que estava preso e que a filha só não passava fome e frio porque tinha uma mãe valente; que já não a via há muito tempo porque a prisão era longe e elas não tinham dinheiro para os transportes; que nos tinha podido escrever porque um guarda lhe deu o dinheiro para o selo, e continuava pedindo apenas que, se nos fosse possível, enviassemos uma lembrança pequenina à sua filha, para que também para ela fosse Natal.
Depois do choque inicial (aquela menina não ia ter Natal não por causa do pai dela, mas de mim que não tinha visto a carta), corri para as minhas colegas a contar-lhes o que tinha acontecido.
E agora, perguntavam, não está cá ninguém para decidir…não está cá ninguém para pagar o que for para comprar…
Perguntei-lhes porque não fazíamos uma vaquinha nós? Claro que sim, responderam-me.
Animada com aquele primeiro dinheiro, meti-me no elevador e desci ao centro (estávamos por cima do Amoreiras) e falei com duas amigas donas de uma loja; contribuiram também e disseram-me que iam falar com outras.
Num instantinho já tinha muito dinheiro junto (muito mesmo) e a cabecinha começou a fervilhar de ideias; e se? e se?
Subi outra vez à torre e contei o meu plano às minhas gajas; telefonar para um restaurante e uma pastelaria da zona (era atrás de Serpins da Serra, seis passos atrás do sol posto) e encomendar uma ceia e um almoço de Natal que pagaríamos por transferência ou vale postal, e com o resto do dinheiro compraríamos presentes para enviar por correio.
Pusemo-nos à procura de restaurantes na zona; só havia dois (eram restaurante e pastelaria). Agarrámo-nos ao telefone. Trim, trim..trim, trim…ninguém atendia…trim..trim, trim...em nenhum…mas nós não desistíamos.
Trim, trim…trim, trim…e já desesperávamos quando ao fim de mais de uma hora nos atenderam!
Expliquei o que queriamos fazer, e a senhora perguntou-nos porquê; insisti, porque sim!
Mas porquê, insistiu ela também, é que nunca tivemos um pedido desses…de onde é que está a telefonar? Quem é que está ao telefone?
Disse que era de Lisboa, de uma empresa, que pagávamos mesmo, só tinha de nos dar o nib ou a morada para onde queria que enviássemos o vale postal.
Que não era isso, era só que achava estranho e parecia-lhe que ouvia aflição na minha voz…
Pedindo-lhe segredo, lá lhe acabei por explicar o que se passava e quando acabei só ouvi o silêncio;
- Estou, estou?
- Sim, estou aqui - respondeu-me uma voz magoada e entrecortada por soluços - eu sei onde fica essa casinha, é afastado daqui e conheço a menina, é verdade é, o que me está a contar; não se preocupe, não quero dinheiro nenhum e eu mesma lá irei fazer as entregas que me pede; elas este ano vão ter Natal.
Perdemos a cabeça de alegria!
Comprámos uma Barbie, a mais linda de todas as Barbies (eu odeio Barbies), com um vestido de princesa, tiara e estrelas nos cabelos, livros de ler e de colorir, mais umas quantas coisas de que já não me lembro, embrulhámos tudo bonito e lá fui aos correios enviar a encomenda; por cima um envelope (com um postal de Natal) onde escrevi apenas "do TEU PAI Natal".
Nesse dia cheguei atrasada ao colégio para ir buscar o meu filho, pedi desculpa e disse-lhe que me tinha atrasado com um pedido de ajuda que o Pai Natal me tinha feito (ele perguntou porquê e eu disse-lhe que eram muitos meninos e o velhote já não dava conta de tudo sozinho; tinha-se esquecido de um e já não tinha tempo para tratar dele sozinho).
Zangada que estava comigo própria por não ter visto a carta, só à noite ao deitar (quando revejo o meu dia) me dei conta que talvez tivesse tido mesmo que ser assim, talvez fizesse mesmo parte de um plano secreto do Pai Natal para ser mais especial (e esta criança nunca teve de ser exposta na televisão).
Não me digam que o Pai Natal não existe!
Oh virgem santíssima... Porque é que me meteu a chorar?
ResponderEliminar<3
Não era a intenção...
EliminarDepois de ler este post já consigo começar a perceber porque é que tem um filho tão especial. Coisas boas acontecem a pessoas boas. Que história linda :)
ResponderEliminarSubscrevo.
EliminarVocês, vocês…
EliminarO miúdo é como é porque já mo mandaram do céu assim :)
(até coro com as coisas que vocês me dizem; qualquer um de vós, tenho a certeza, teria feito a mesma coisa.
Chorar em frente ao computador. Era mesmo o que estava a precisar...
ResponderEliminarObrigadinho.
PS: Trabalhavas na Endemol!? :-)
Não, eu estava na Torre 2.
Eliminar(Funga e diz que te constipaste)
Sim... com os lábios a tremer e a voz a falhar. Típico de constipação.
EliminarLove you :)
ResponderEliminarEu é que te love you!
EliminarMuitos beijinhos,:)
ResponderEliminarMuitos Luisinha, muitos!
EliminarNão sou de beijos quando não conheço pessoalmente. Mas... um beijo.
ResponderEliminarParabéns. E obrigado pela história.
Há histórias que vale a pena contar.
EliminarObrigada pelo beijo.
Há coisas que despertam o melhor em nós, tu és uma dessas "coisas".
ResponderEliminarNunca me hei-de esquecer dos pedidos de Natal de algumas crianças, coisas preciosas como 1sumo e uns rebuçados se ainda pudesse ser, é de cortar o coração.
Um grande beijo e um Santo Natal
Mais Picante, aí mora um coração igualinho ao meu :)
EliminarUm beijo do tamanho do Mundo!
Santo Natal para a sua casa também.
Um abraço! Chuif, chuif... Não sei se há Pai Natal, mas tenho a certeza de que naquele dia houve uma grande Mãe NataL:) Beijinho querida! Manuela
ResponderEliminarComo diz a Pérola mais abaixo, o Pai/Mãe natal vive dentro de cada um de nós.
EliminarEm cada um de nós mora um Pai Natal, algo de bom e que gosta de dar sem receber.
ResponderEliminarbeijinhos natalícios.
Esse é o Pai Natal em que acredito!
EliminarSim...o Pai Natal existe... e tem a preciosa ajuda dos seus duendes...
ResponderEliminarE eu tenho a certeza que tu és uma das suas "duendes" preferidas!:)
Isso eu não sei, mas sou uma das mais trapalhonas tenho a certeza!
Eliminar:DD
Menito... chuif... :')
ResponderEliminarPara rir com o Pai Natal, que afinal é humano como o caraças :
http://www.feeldesain.com/santa-classics-ed-wheeler.html
(cortesia da nAn)
Liiiiiiindo!
EliminarPorque me fizeste chorar?
ResponderEliminarOncinha, não era essa a ideia…é uma história bonita.
EliminarOh, que bonita história!! Até me emocionou :)
ResponderEliminarFico sempre feliz ao saber que ainda há pessoas boas!
Então não há?
EliminarOlhe esta caixa de comentários cheinha delas!
q delícia :)
ResponderEliminarLindo!!! Soube se a menina recebeu os presentes e a ceia de Natal entregue pela Sra do restaurante??
ResponderEliminarO Pai Natal existe, só depende de cada um de nós :)
Beijinhos
Exactamente Teresa!
EliminarSe existissem mais pessoas como tu, o mundo seria muito melhor.
ResponderEliminarE existem!
EliminarOlha-as aqui a escrever!
Até fiquei arrepiada.... Há coisas que parecem ter que acontecer mesmo.... :)
ResponderEliminarVerdade...
EliminarFiquei tão sensibilizada que me arrepiei todinha... Era tão bom se existissem mais corações assim...
ResponderEliminarAinda é uma história muito actual.
Bom Natal e doces festas para todas. :)
ias-me fazendo chorar, porra!
ResponderEliminarParabéns pela iniciativa!
Caramba, estou arrepiada! Que linda história!
ResponderEliminarMas soube mais alguma coisa dessa família??
Um beijinho
Que história emocionante!
ResponderEliminarInfelizmente há muitas semelhantes e que não têm este final feliz!
Bem haja. Se todos os que pudessem tivessem esse empenho e vontade, salvar-se-ia o Natal de tanta gente.
És má! És muito má! És mesmo má!!!!!pá!!!! Pasa uma pessoa uns dias sem vir aqui é é isto!!!! A paga é acabadinha de chegar ao estaminé pintadinha, fresquinha, deixares-me neste estado toda borrada da pintura, si senhora! Lindo serviço!
ResponderEliminarNão sabias ter avisado, ao menos tinha a porra dos lenços à mão...aiiiii....
O Pai Natal envelhece tranquilo porque sabe que ainda há corações como o teu que são o garante de que a magia do Natal será eterna!...
Obrigada minha Princesa das Arábias, Deus te Abençõe e um Natal FELIZ!
jinhoooosssssss
Aí Sexinho, ainda bem que estou constipada, ninguém aqui vai reparar na lágrima que teimarem cair... Beijinho
ResponderEliminarTudo acontece por um motivo. Nunca te esqueças disso. O Destino existe e foi-te dada a oportunidade de ser um anjinho, um duende na vida de alguém, de mudar uma história. Parabéns por esse coração.
ResponderEliminarMais uma a chorar, por aqui... Sempre se poupa no desmaquilhante...
ResponderEliminarObrigada pela partilha e, sobretudo, por ter um coração bom.
No meu trabalho, também me cruzo com muitas histórias tristes, também já fizemos vaquinhas e também já chorei e nunca consegui ficar mais rija, e ainda bem.
Bem haja, Sexinho!
Este seu (lindíssimo) gesto fez-me lembrar esta música de Natal, que apesar de ser do meu tempo (sou da geração dos amigos do Gaspar), só a descobri este ano. Espero que goste!
ResponderEliminarhttp://grooveshark.com/#!/search/song?q=Sérgio+Godinho+08-Os+Pais+Natais
Um FELIZ NATAL!!!