Deram-lhe uma bandeirinha e o Ruivo ali ficou, qual boneco articulado, acenando com um sorriso nos lábios, que condizia na perfeição com a barba de fogo que lhe enfeitava o rosto.
Filho de pai incógnito, logo causou espanto ao nascer de
olhos abertos, uma pele branca, branca, à excepção da que tinha na cabeça que
mais parecia ter levado uma aguada de laranja.
À medida que crescia mais se lhe incendiavam os pêlos;
cabelo, pestanas, a penugem dos braços e pernas, e só muito mais tarde o peito, as
axilas e a púbis.
A mãe, que já tinha outros 3 filhos, também como ele de pai
incógnito, encolheu os ombros como quem não quer saber, quando a parteira
improvisada lho mostrou de olhos abertos e cocuruto alaranjado, aliviada por já
não ter que carregar aquele peso que finalmente tinha deslizado para fora de
si.
Depois de horas de dores, que apesar de sentir pela quarta vez na sua ainda
não muito longa vida, sempre a aterrorizavam, e lhe falavam de morte, ao invés de
vida. Assim nasceu o Ruivo.
A mãe do Ruivo vivia com os filhos numa caixa de madeira que
se tinha erguido a partir dos caixotes de fruta que ela vendia, e de outros esquecidos pelas vendedeiras no caminho de regresso do mercado, já vazios
depois da venda.
O telhado era um confuso amontoado de tábuas e chapas,
cartões abertos e pedras a segurá-los.
Tinha a casa um ar de coisa mal amanhada; no chão, lá
dentro, uns caixotes faziam as vezes de mesa e bancos, e ao canto um fogão
velho, ou talvez fosse só sujo. No canto oposto, uma saca de serapilheira aberta
pendia do tecto, à laia de cortina tapando assim dos olhos alheios os momentos
de aflição e alívio que toda a pessoa tem.
Entre os dois cantos da divisão, encostado à parede
ondulante, um colchão repousava no chão, tapado por um cobertor vermelho muito
vivo, que gritava no escuro da casa.
Nas paredes de caixote, não se tinham rasgado janelas,
também porque lá fora não havia o que ver a não ser terra, – lama se chovia –
ervas, lixo, moscas e ratos, e assim a pouca luz que entrava, coada e em riscas,
provinha das falhas do tecto mal engendrado, que em dias de mais vento ganhava vida
própria e ameaçava fugir.
Um armário lascado, recuperado da rua, guardava os trapos
que a família vestia e que passavam de filho para filho, à medida que deixavam
de servir ao irmão que lhe precedia.
Um casaco surrado pendia sozinho no varão, orgulhoso, como
membro da realeza que se eleva no meio dos seus súbditos; calças, camisolas,
meias e cuecas espreitavam de dentro das gavetas tortas, empenadas e já sem
puxadores.
Um cão rafeiro e zarolho dormitava perto enroscado em si
mesmo, e de vez em quando rosnava baixinho; talvez sonhasse um sonho de cão, ou então talvez fossem apenas as lombrigas que o incomodavam.
Uma lâmpada iluminava com uma luz crua e triste todo este
cenário de desolação.
Aqui nasceu o Ruivo sem pompa nem circunstância, quando
chegou a hora e as pernas da mãe se alagaram com as águas quentes que jorravam
das suas entranhas, anunciando a iminência do nascimento; foi ajudada pela vizinha solicita e experiente, que a troco de um
quilo ou dois de fruta, sempre a tinha desembaraçado das criaturas que lhe
enchiam o ventre.
Foi precisamente esta vizinha que ao recebe-lo no Mundo, e
enquanto o embrulhava num cobertor velho e sujo, como todo o barraco, primeiro
se espantou com a pincelada de laranja e com os olhos verdes e muito abertos do
Ruivo.
“Este nasceu de olhos abertos”, disse ela, “este é esperto,
ninguém o há-de comer por parvo”, vaticinou a vizinha parteira.
(continua)
É teu?
ResponderEliminarhttp://fashionfauxpas-mintjulep.blogspot.com
Yap!
EliminarE ainda dizes que eu escrevo bem? Tá masé calada pá. Isto é MUITO MUITO bom, mulher!!!
Eliminarhttp://fashionfauxpas-mintjulep.blogspot.pt/
Muito muito bom!!! Eu também gosto de por contos no meu blog, é uma forma de aliviar as histórias que passam por aqui. Até costumo dizer que quando tenho dor de cabeça, é porque devo ter lá uma a querer sair.
ResponderEliminarbeijinhos
e aguardo continuação!
Gostei do início da história do Ruivo :)
ResponderEliminarSexinho, passa por lá. Xuac!
ResponderEliminarEstou para ver a continuação!!
ResponderEliminarA continuação! A continuação!:)))
ResponderEliminarPensei que o conto se ia encerrar por aqui, e fiquei de algum modo desiludida por ler "continua" no final. Mas isso sou eu, que sou curiosa e que não lida bem com teasers. Mas claro, ficas então a perceber que hei-de cá voltar para ver como se desenrola a história. O cão zarolho torna a entrar? Sim!, Sim!, Sim!!! :-P
ResponderEliminarFantástico ! Bis ! Tris !
ResponderEliminarOlha que não costumo gostar de ler contos na blogosfera, mas este está qualquer coisa de interessante! Fico à espera da continuação, Sexinho :)
ResponderEliminarparabéns, tens uma imaginação muito fértil!*