quarta-feira, 25 de abril de 2012

Foi assim naquele dia

De politica não percebo nada e que isso fique já aqui bem claro.
Achei que não iria escrever sobre o 25 de Abril, mas ontem, quando te fui buscar às noites, porque ainda não conduzes, vi estourar um enorme fogo de artificio e fiquei a pensar se o terias visto também ou se ainda estarias no restaurante com os teus amigos.
Perguntei-te, quando entraste no carro, se o tinhas visto; respondeste que sim e que achavas um desperdicio. E a conversa começou aí.
Disse-te que naquele preciso momento em que fazíamos o caminho para nossa casa, fazíamos o inverso trajecto que eu tinha feito pela mão da minha mãe naquele dia, há 38 anos atrás; fazíamo-lo de noite e há 38 anos atrás era de dia.
Contei-te que não percebia muito bem o que estava a acontecer; que nesse dia de manhã, quando descia as escadas de casa pela mão da tua avó, as vizinhas estavam cá fora em alvoroço e pediram-lhe que não saísse com a menina porque havia uma revolução; a tua avó, desempoeirada e destemida como sempre, respondeu que tinha de ir comprar o pão e o leite (na altura era assim, diariamente se comprava o pão e o leite do dia) e por isso iamos na mesma. Pediram-lhe então que ao menos deixasse a menina (eu) com elas. Nem pensar, respondeu.
E fomos.
Na rua, aquela hora só se ouvia o silêncio e não se via ninguém. A leitaria, a padaria, a mercearia tudo estava fechado. Todos estavam escondidos em casa e eu sentia-me meio temerosa (não sabia o que era uma revolução, devia ser assim uma guerra) e ao mesmo tempo uma aventureira pela mão da minha mãe.
Voltámos então a casa e foi no radio que ouvimos o que estava a acontecer e onde.
Que eramos livres, dizia a minha mãe, que os militares nos tinham libertado, que estavam no Terreiro do Paço, na Ribeira das Naus, no Carmo sei lá. E saímos para lá.
Quando descemos a Sta Apolónia vimos cada vez mais gente; gente que se abraçava e cantava, e chorava e que dizia que eramos livres; LIVRES!
Havia electricidade no ar e até eu que não percebia, sentia, que tudo era possivel.
Caminhámos ao lado do rio em direcção ao Terreiro do Paço e havia cada vez mais gente, militares, tanques de guerra com soldados em cima; as pessoas subiam aos tanques e abraçavam os militares.
E de repente apareceram os cravos, aos milhares, de todo lado; e toda a gente tinha cravos (ainda hoje me questiono porquê cravos, e de onde vieram tantos); e todos sabiamos o que fazer; os cravos eram para os militares, os cravos eram para enfeitar o cano das armas.
E foi uma emoção, uma comoção em massa e só se ouvia a palavra liberdade e diziam que não voltariamos atrás.
Estive lá, nesse dia e em quase todos os outros depois.
Aprendi o nome de alguns que acreditaram e lutaram para que aquele dia acontecesse.
Fixei um que me pareceu maior do que todos; o Maia. Esse mesmo que vês aqui abaixo. O capitão Salgueiro Maia (curiosamente não o achas parecido com o teu tio J. Maia). Para mim, para sempre, esta  é a cara da revolução.
Sei que sabes e que nisso te ensinei bem, que a liberdade é um bem maior e que o medo mata.
Sei que sabes que com a liberdade tem de vir a responsabilidade.
Parece-me que infelizmente esta última lição foi a que faltou aos portugueses (todos nós) aprender.
Todos quiseram ter direitos, a maioria esqueceu-se dos deveres e agora filho, vivemos outra vez todos com medo. Medo.












Nota- o que vês aqui acima viu a mãe ao vivo. E foi lindo!

1 comentário:

  1. Na altura tinha 2 anos e, claro, não me consigo lembrar de nada desse dia. Mas tenho pena, gostaria de, pelo menos, ter tido idade suficiente para ficar com algumas memórias.

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